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Direito Tributário - Serviços Hospitalares


BENEFÍCIO FISCAL EM ATIVIDADES HOSPITALARES: Redução da base de cálculo do imposto de renda e contribuição social sobre o lucro líquido sobreserviços hospitalares prestados porsociedadesempresariais optantes do lucro presumido Thiago Schiewe


RESUMO

As clínicas particulares de natureza empresarial optantes pelo regime de apuração do lucro de forma presumida tem,por força de lei, as bases de cálculo do(1) imposto de renda e(2) da contribuição social sobre o lucro líquidoincidentes reduzidas nos serviços considerados hospitalares, em exceção à regra geral dos serviços. O tema já foi objeto de discussão pelo poder judiciário, que buscou definir o conceito de serviços hospitalares, e restou pacificado em sede de recurso repetitivo pelo Superior Tribunal de Justiça, que reconheceu tal direito ao benefícios pelas clínicas que atendam aos critérios da lei, admitindo que toda a prestação de serviço pela clínica, exceto as consultas, são considerados serviços hospitalares. Contudo, a Receita Federal do Brasil, dentro de sua intepretação, segue impondo uma séria de requisitos impraticáveis pela maioria das clínicas médicas, pretendendo equipará-la ao efetivo estabelecimento hospitalar, o que afronta diretamente a tese firmada pelo Superior Tribunal de Justiça. Assim, o presente artigo pretende demonstrar,com base na lei e na jurisprudência, os fundamentos para reconhecimento dos benefícios tributários que incidemnos serviços hospitalares prestados pela clínicas de natureza empresarial, optantes do regime do lucro presumido, considerando ainda o posicionamento atual da secretaria da Receita Federal do Brasil, ea necessidade de enfrentamento do tema pelos interessados. Palavras-chave: Benefício fiscal. Serviços hospitalares. Clínicas médicas. Lucro presumido. Tema 217 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). INTRODUÇÃO

Através deste artigo, pretende-se demonstrar que,mesmo após a decisão firmada em sede de recurso repetitivo pelo Superior Tribunal de Justiça, resultandona formação do Tema Repetitivo n° 217 em 28 de outubro de 2009, a Secretaria daReceita Federal do Brasil vem defendendo interpretações que impedem inúmeras empresas de se valerem de tal benefício, impondo a necessidade de que estasclínicas,mais uma vez,diante da insegurança jurídica, busquem o poder judiciário para confirmar o direito que outrorajá lhe forareconhecido.

DO BENEFÍCIO FISCAL PARA CLÍNICAS DE NATUREZA EMPRESARIAL OPTANTE DO LUCRO PRESUMIDO NA PRESTAÇÃO DESERVIÇOS HOSPITALARES

Conforme se extrai das Leis de nº 9.249/95 e 7.689/88, a alíquota aplicável sobre a base de cálculo para apuração do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) é de 15%, e para a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) é de 9%. No lucro real, a base de cálculo destes tributos é obtida através da apuração da renda tributável, após subtraídas as deduções autorizadas pela legislação, ocorrendo o fato gerador dos tributos no dia 31 de dezembro de cada ano.

Em outra opção prevista pela legislação tributária, tem-se a apuração da renda pelo lucro presumido, no qual a base de cálculodo IRPJ e da CSLLconsiste na presunção do legisladorsobrequal o percentual da receita bruta obtida pela empresa corresponde ao lucro.Estepercentual de lucro presumidoé definido pela Lei nº 9.249/95. Nos termos do artigo 15, §1°, inciso III, alínea (a), da Lei 9.249/95, nas prestações de serviços em geral, a presunção é de que 32% (trinta e dois por cento) da renda tributável da empresa se refira ao lucro obtido nas atividades, com as exceções que apresenta, senão vejamos:

Art. 15.A base de cálculo do imposto, em cada mês, será determinada mediante a aplicação do percentual de 8% (oito por cento) sobre a receita bruta auferida mensalmente, observado o disposto no art. 12 do Decreto-Lei no 1.598, de 26 de dezembro de 1977, deduzida das devoluções, vendas canceladas e dos descontos incondicionais concedidos, sem prejuízo do disposto nos arts. 30, 32, 34 e 35 da Lei no 8.981, de 20 de janeiro de 1995.

§ 1º Nas seguintes atividades, o percentual de que trata este artigo será de: III - trinta e dois por cento, para as atividades de:

a) prestação de serviços em geral, exceto a de serviçoshospitalares e de auxílio diagnóstico e terapia, patologia clínica, imagenologia, anatomia patológica e citopatologia, medicina nuclear e análises e patologias clínicas, desde que a prestadora destes serviços seja organizada sob a forma de sociedade empresária e atenda às normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa; Decorre do artigo 20 da Lei 9.249/95, que a regra também se aplica para a apuração da base de cálculo da CSLL:

Art. 20. A base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) devida pelas pessoas jurídicas que efetuarem o pagamento mensal ou trimestral a que se referem os arts. 2º, 25 e 27 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, corresponderá aos seguintes percentuais aplicados sobre a receita bruta definida pelo art. 12 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977, auferida no período, deduzida das devoluções, das vendas canceladas e dos descontos incondicionais concedidos: I - 32% (trinta e dois por cento) para a receita bruta decorrente das atividades previstas no inciso III do § 1º do art. 15 desta Lei; II - 38,4% (trinta e oito inteiros e quatro décimos por cento) para a receita bruta decorrente das atividades previstas no inciso IV do § 1º do art. 15 desta Lei; e III - 12% (doze por cento) para as demais receitas brutas. Observa-se que a base de cálculo presumida para apuração do IRPJ e CSLLquando da prestação de serviços hospitalaresé diferente dos 32% (trinta e dois por cento) aplicáveis aos serviços gerais, conforme a exceção contida na Lei 9.249/95: Artigo 15, §1°, inciso III, (a): prestação de serviços em geral, exceto a de serviços hospitalares e de auxílio diagnóstico e terapia, patologia clínica, imagenologia, anatomia patológica e citopatologia, medicina nuclear e análises e patologias clínicas, desde que a prestadora destes serviços seja organizada sob a forma de sociedade empresária e atenda às normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa. (grifos nossos)

O problema centralque decorre da legislação é que não há definição expressa do conceito ou abrangência dos serviços hospitalares de que trata o artigo 15 supracitado, trazendo aos operadores do direito a tarefa deinterpretar a Lei, e enfrentar litigiosamente os diferentes entendimentos que delas decorrem. Diante de tal omissão legislativa, existente desde a publicação da Lei em 1995,houveram inúmeras interpretações a respeito do que seriam os assim chamados serviços hospitalares. Haviam decisões judiciais de todos os tipos. Por isto, ao conhecer da matéria, o Superior Tribunal de Justiça recebeu o Recurso Especialnº 1.116.399/BAcomo leading case,submetendo-oà sistemática processual do julgamento por Recurso Repetitivo, o qual será abordado adiante.

Da natureza extrafiscal do tributo:benefício fiscal ao serviço hospitalar Pode-se afirmar que a redução da base de cálculo presumida para apuração tributária, na formaprevista pela Lei 9.249/95 aos serviços hospitalares,se trata de benefício tributário. Quando comparado com a presunção de lucro de 32% (trinta e dois por cento) aplicável aos serviços gerais, as alíquotas reduzidas aplicáveis aosserviços hospitalaresrevelam evidente caráter extrafiscal, posto que este é considerado serviço público essencial à manutenção da saúde dos cidadãos brasileiros, direito social previsto e garantido pela Constituição Federal de 1988 em seu artigo 6º. Segundo Machado (2009, p.96), “o tributo é extrafiscal quando seu objetivo principal é a interferência no domínio econômico, para buscar um efeito diverso da simples arrecadação de recursos financeiros”.

Individualmente, a exceção aos serviços hospitalares de que trata a Lei 9.429/95 permite às Clínicas organizadas de forma empresarial e que prestem serviços hospitalaresobtenham redução de seus ônus tributários em IRPJ e CSLL. Como consequência, os serviços médicos hospitalares são incentivados, e o orçamento é incrementado, permitindo maior investimento, desenvolvimento e pesquisa em prol da saúde.

Em um plano coletivo, tem-se que cada paciente atendido de forma particular pelas Clínicas Médicas, é um paciente a menos submetido ao serviço público custeado pelo Estado, reduzindo todos os gastos públicos que estariam envolvidos em tal atendimento/internação, os quais seriam cobertos pelo Sistema Único de Saúde. Assim, pode-se concluir pela intenção do legislador em incentivar a prestação de serviços hospitalares pela empresa, revertendo em benefícios a todos os envolvidos, inclusive às Clínicas prestadoras dos serviços.

DoTeman° 217 do Superior Tribunal de Justiça

Ao julgar o Recurso Especial nº 1.116.399/BA, na sistemática do artigo 543-C do CPC de 1973, então vigente, foi firmado oTema nº 217 pelo Superior Tribunal de Justiça, que assim prevê:

Para fins do pagamento dos tributos com as alíquotas reduzidas, a expressão 'serviços hospitalares', constante do artigo 15, § 1º, inciso III, da Lei 9.249/95, deve ser interpretada de forma objetiva (ou seja, sob a perspectiva da atividade realizada pelo contribuinte), devendo ser considerados serviços hospitalares 'aqueles que se vinculam às atividades desenvolvidas pelos hospitais, voltados diretamente à promoção da saúde', de sorte que, 'em regra, mas não necessariamente, são prestados no interior do estabelecimento hospitalar, excluindo-se as simples consultas médicas, atividade que não se identifica com as prestadas no âmbito hospitalar, mas nos consultórios médicos'. Desta forma, para fins do pagamento do IRPJ e CSLL com alíquotas reduzidas, a Clínica interessada deve cumprir os requisitos legais do artigo 15, § 1º, inciso III, alínea “a”, da Lei nº 9.249/95, ou seja, estar organizada como Sociedade Empresarial, e indicar em seus documentos fiscais a renda obtida com a prestação deserviços hospitalares, sendo estes definidos peloTema nº 217 do STJ, como todos os serviços prestados em âmbito hospitalar, exceto as consultas médicas.

Pela análise do Acórdão, percebe-se facilmente a irrelevância do local da prestação de serviços hospitalares, tal qual vem até hoje sendo imposto pela Secretaria da Receita Federal,

(...) porquanto a lei, ao conceder aquele benefício fiscal, não considerou a característica ou a estrutura do contribuinte em si (critérios subjetivos), mas sim a natureza do próprio serviço prestado, a assistência à saúde. Portanto, os regulamentos da Receita Federal sobre o citado dispositivo legal mostram-se irrelevantes, porque, para a obtenção do benefício, não podem exigir dos contribuintes requisitos que não estão na lei, tal como a manutenção de estrutura que permita internações.

Por isto, preenchidos os requisitos para aplicação das alíquotas de 8% sobre a receita bruta como base de cálculo da alíquota do IRPJ, e 12% sobre a receita bruta como base de cálculo da alíquota da CSLL, nos termos da exceção contida no artigo 15, § 1º, III, a, da Lei nº 9.249/95, merece tal direito ser reconhecido em favor das Clínicas Médicas quando da prestação de serviços hospitalares.

Da interpretação da Secretaria da Receita Federal do Brasil

Apesar doTema n° 217 firmadopelo Superior Tribunal de Justiça a Secretaria da Receita Federal ainda apresenta resistência à sua aplicação, mantendo interpretação no sentido de que não basta para a Clínica optante do lucro presumido comprovar a atividade hospitalar, devendo esta ainda comprovar estar organizada e equipada como um estabelecimento hospitalar, inclusive atendendo as normas previstas na RDC da Anvisa n° 50 de 2002.

Tal afirmação se extrai de decisão da Coordenação-Geral de Tributação da Receita Federal do Brasil (COSIT), que determinou a comprovação de tais requisitos pelas Clínicas para reconhecer o enquadramento no benefício, conforme se deflagra pela


Solução de Consulta COSIT n. 195 de 10 de junho de 2019: (...). Para fins de aplicação do percentual de presunção de 8% (oito por cento), a ser aplicado sobre a receita bruta auferida pela pessoa jurídica com vistas à determinação da base de cálculo do imposto de renda apurado na forma do lucro presumido, consideram-se serviços hospitalares aquelesque se vinculam às atividades desenvolvidas pelos hospitais, voltadosdiretamente à promoção da saúde, prestados pelos estabelecimentosassistenciais de saúde que desenvolvem as atividades previstas nasatribuições 1 a 4 da RDC Anvisa nº 50, de 2002.

Para essa finalidade, não são considerados serviços hospitalares asatividades que não possuam custos diferenciados das simples consultasmédicas, os serviços prestados com utilização de ambiente de terceiro, osserviços médicos ambulatoriais com recursos para realização de examescomplementares e os serviços médicos prestados em residência, sejameles coletivos ou particulares (home care). Para fazer jus ao percentual de presunção de 8% (oito por cento), aprestadora dos serviços hospitalares deve, ainda, estar organizada, defato e de direito, como sociedade empresária e atender às normas daAnvisa. Caso contrário, a receita bruta advinda da prestação dos serviços,ainda que caracterizados como hospitalares, estará sujeita ao percentualde presunção de 32% (trinta e dois por cento). (...). (Grifos nossos). Decorre da interpretação mantida pela Receita Federal do Brasil, acima transcrita, que, mesmo quando remunerada pela prestação de serviços hospitalares, as Clínicas que não se adequem às regras da Anvisa não estão aptas a se beneficiar do percentual de presunção de 8% para cálculo do IRPJ e 12%para o cálculo da CSLL.

Da atual jurisprudência

Diante do cenário apontado, a atual jurisprudência dos tribunais pátrios é uníssona ao afastar a necessidade de atendimento das normas genéricas instituídas pela RDC n° 50, da ANVISA, com substrato jurídico noTema n° 217 do SuperiorTribunal de Justiça. Como exemplo, a sentença monocrática proferida pelo r. Juízo da 1ª Vara Federal de Brusque, nos autos da ação n. 5000882-10.2020.4.04.7215,esclareceu a razão da irrelevância da comprovação dos requisitos ANVISA trazida pela RDC n. 50 de 21/02/2002 para fins de gozo do benefício fiscal:

Quanto ao atendimento às normas da ANVISA, a lei revela-se bastante genérica e não estabelece, especificamente, as quais normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária o contribuinte deve obedecer.

Cumpre ressaltar que a Resolução - RDC n° 50, de 21/02/2002, que dispõe sobre o Regulamento Técnico para Planejamento, Programação, Elaboração e Avaliação de Projetos Físicos de Estabelecimentos Assistenciais de Saúde, não tem aplicação no caso em tela, uma vez que tais normas gerais de funcionamento de estabelecimentos de saúde não podem restringir a norma legal.

Tal resolução extrapola o limite estabelecido pela norma tributária, a qual permite interpretações mais benéficas para o contribuinte, pois se encontram dissociados do objetivo que norteou todo o processo legislativo que era exatamente desonerar, no âmbito tributário, o prestador de serviços de saúde nos casos em que se exige qualificação dos trabalhadores, espaço físico adequado e materiais e equipamentos de alto custo, visando, evidentemente, ao barateamento do serviço, com o consequente aumento do acesso da população a tais serviços. (...) Assim, após a edição de tal lei, somente as pessoas jurídicas organizadas sob a forma de sociedade empresária estão abrangidas pela base minorada, restando, portanto, no caso vertente, preenchidos os requisitos para a concessão da tutela de evidência. Considerando o atual posicionamento dos tribunais pátrios, subsidiada principalmente peloTema n° 217 do Superior Tribunal de Justiça, pode-seafirmar que restrição apontada deriva de ato ilegal da autoridade arrecadadora, em interpretação equivocada e contrária à finalidade do benefício fiscal concedido pela lei em caso de remuneração de empresas pela prestação de serviços hospitalares.

CONCLUSÃO

Em conclusão das pesquisas e estudos realizados, pode-se admitir com segurança,firmeno julgamento e fixação do Tema n. 217 pelo Superior Tribunal de Justiça, que as sociedades empresariais optantes do regime tributário de apuração da renda pelo lucro presumido, são beneficiárias de redução da base de cálculo do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquidoprevistos pela Lei n° 9.249/95, quando a renda decorrer da prestação de serviços hospitalares, nos termos da exceção contida no seu artigo 15, § 1º, inciso III, alínea “a”. Contudo, diante da interpretação manifestada pela Secretaria da Receita Federal através da Solução de Consulta COSIT n° 195, de 10 de junho de 2019, que até mesmo vai na contramão da decisão proferida em Acórdão de julgamento sob a sistemática de Recurso Repetitivo,entende-se que há necessidade utilizaçãodos instrumentos judiciais cabíveis para obter segurança jurídica antes da utilização do benefício fiscal aplicável aos serviços hospitalares, a fim de evitar disputas judiciais com o fisco, as quais podem levar a processos de cobrança e até mesmo de responsabilização do administrador da empresa.

Por fim, o manejo dos instrumentos judiciais competentes ainda podem resultar no direito de ressarcimento dos recolhimentos realizados em inobservância ao benefício fiscal previsto na Lei n° 9.249/95, limitados aos recolhimentos realizados retroativamente aos 05 (cinco) anos anteriores à data do ajuizamento da ação.

REFERÊNCIA MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros,2009

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